071 Concurso Internacional de Ideias Norte 41 - Regeneração Urbana do Quarteirão da Aurifícia / 071 Proposal for the International competition: Urban regeneration of the block Aurifícia

(english version below)

Equipa/Team:
Pedro Bandeira (Pierrot le Fou Arquitectura Limitada);
Pedro Nuno Ramalho (PARQ Arquitectos)

“Architecture only survives where it negates the form that society expects of it. Where it negates itself by transgressing the limits that history has set for it.”
Bernard Tschumi, Architecture and Transgression (1975)

“O valor rememorativo deliberado do monumento tem desde o princípio, isto é, desde que se ergue, o firme propósito de, em certo modo, não permitir que esse momento se converta em passado, de que se mantenha sempre presente e vivo na consciência da posteridade (…) O valor rememorativo deliberado aspira de modo total à imortalidade, ao eterno presente, ao permanente estado de génesis”
Aloïs Riegl, O culto Moderno aos Monumento (1903)

Argumento ("sejamos realistas, exijamos o impossível"!)

Reconhecemos que propor relocalizar a Ponte D. Maria Pia (1877) no quarteirão da Companhia Aurifícia (1869) pode parecer à partida absurdo ou pouco plausível. Tanto quanto se sabe, nem sequer os parafusos usados na construção da ponte, projectada por Théophile Seyrig da companhia Eiffel Constructions Métalliques, foram produzidos na fábrica Aurifícia – mais vocacionada para trabalhos de ourivesaria e metalurgia delicada. Sabemos que a Ponte D. Maria Pia e a Companhia Aurifícia são ambos bons exemplos da industrialização portuense, mas esta proposta de associação tem outros argumentos que ambicionam algo mais do que a regeneração deste quarteirão em particular. Queremos alterar o skyline da cidade, um posicionamento extremo mas que defendemos como necessário, tendo em consideração que as políticas de regeneração urbana do centro do Porto continuam a falhar, isto é, a perder habitantes, deixando devolutos espaços de habitação, comércio e serviços.

Uma primeira abordagem ao problema leva-nos a questionar a necessidade de intervir no interior do quarteirão da Aurifícia. Não acreditamos que seja necessária ou pelo menos prioritária a edificação de novos espaços, nem agora nem, muito provavelmente, nos próximos anos. Necessária seria sim, apenas a reabilitação dos espaços existentes que ainda não cederam à ruina. Neste sentido, defenderíamos com entusiasmo a política de “não fazer nada” dos Lacaton & Vassal, ou seja, fazer o mínimo indispensável: manutenção, alguma reabilitação e limpeza dos lotes, avançar com a demolição das estruturas precárias, sem uso e sem interesse arquitetónico. Mas se esta é, por uma lado, a solução que nos parece mais plausível e sustentável, por outro lado, defendemos que esta não precisa de um concurso de ideias para ser implementada, e seria, do ponto de vista concetual redundante com o que já foi defendido pela dupla de arquitectos franceses. Além do mais, um concurso de ideias é o lugar, por excelência, para a experimentação e, no nosso entender, para uma experimentação radical descomprometida com as soluções mais consensuais e com os interesses mais óbvios.

O nosso projecto propõe a desmontagem da Ponte D. Maria Pia e a sua relocalização no interior do quarteirão da Companhia Aurifícia. Procuramos com este gesto uma nova monumentalidade, capaz de alterar o skyline do Porto e contribuir, deste modo, para uma maior atenção sobre a cidade. Não podemos competir com outras cidades em grandeza ou em altura, mas podemos competir afirmando uma identidade própria, uma particularidade, uma estranheza daquilo que se reivindica como singular e simultaneamente sedutor. Poderá parecer absurdo, mas é um absurdo que enfatiza o que a cidade já é: a expressividade dramática de uma paisagem urbana algo decadente que atrai os turistas a fotografar os prédios em ruínas, as fábricas e os armazéns abandonados, as ruas tortuosas e tantas vezes sujas da Ribeira, da Sé, das Fontainhas, e contudo, é um Porto romântico, reflexo de uma tardia industrialização e igualmente tardia desindustrialização.
Propomos uma nova visão sobre esta cidade que se tornou “inútil” para nós (os habitantes) e apenas “útil” para os outros (os estrangeiros). Propomos uma reflexão sobre os objetos arquitetónicos que deixaram de fazer sentido (na sua conceção original), que não têm mais o propósito de ser funcionais. Propomos radicalizar este sentido de “inutilidade” e tirar partido dele, com a mesma convicção com que Gustave Eiffel defendeu a sua Torre, contra o desprezo dos intelectuais parisienses que não só a criticavam por ser feia mas também por ser inútil.

A Ponte D. Maria Pia deixou de ser útil. Há mais de vinte anos que se discute o seu futuro: “Ninguém quer ser responsável pela Ponte Dona Maria” (Jornal de Noticias, 12.10.2011). Deixou de ser também fotogénica, uma vez que a recente construção das pontes do Infante e de São João sombreiam, de um lado e do outro, o seu delicado perfil treliçado. Perdeu escala e dignidade. A sua localização, de difícil acesso, também não contribui para a sua valorização, é uma ponte escondida, esquecida entre as outras. Relocalizada no centro da cidade, numa cota alta, ganharia maior visibilidade mas, acima de tudo, um outro sentido, uma nova liberdade, despojada da necessidade de ser útil. “Toda a arte é completamente inútil” escreveu Oscar Wilde em Retrato de Dorian Gray. E a arte é inútil porque só tem de responder a si própria, à sua essência, à sua beleza. O que propomos é resgatar do léxico pragmático dos engenheiros a bela expressão que associam à construção de pontes: “obras de arte”.

Procuramos uma nova monumentalidade. Dizemos “nova” porque não falamos de uma monumentalidade no sentido clássico de uma institucionalização da História (nem mesmo daquela que fez o modernismo). Falamos de uma monumentalidade transgressiva, que não se sinta presa ao passado, ao lugar do passado, nem que se sinta refém do sucesso. Falamos de uma monumentalidade que ambicione uma permanente atualização do sentido, que espelhe o presente (sem moralismos) uma estória montável e desmontável como uma ponte de treliças, não como uma ponte de betão. Um património consciente da sua fragilidade: o centro do Porto morreu e hoje vive da sua imagem, tão romântica como dramática, em que a ruína – a poesia do edifício sem função – é, neste contexto, a cor natural da sua pele enrugada. Não há nada para esconder, há tudo para enfatizar. Propomos um monumento da desindustrialização, um monumento em que a materialidade oitocentista dá lugar à imaterialidade contemporânea, assente numa lógica de rizoma ou rede complexa sem lugar para pontes dicotómicas que ligam apenas dois lugares.

A Ponte D. Maria Pia morreu mas, na nossa proposta, morre de pé, como as árvores.

Relocation of the D. Maria Pia Bridge

"Two architects, Pedro Bandeira and Pedro Nuno Ramalho proposed the relocation of the Eiffel’s D. Maria Pia Bridge to the city center, exposing its actual uselessness (not in use since 1991) and drastically changing the skyline of Oporto.
This proposal was a response for a call of ideas for the urban regeneration of the block Aurifícia in the city of Oporto, Portugal, promoted by the Portuguese Council of Architects.
As it seems obvious, it did not win. If at a first glance, it looks like as an ironic proposal of nonsense humor, it has also a deeper meaning. This strong gesture would establish a particular identity of the city, unique, bizarre and appealing. It may seem absurd, but in some way it just reflects the absurd that the city already is: the decadent urban landscape that invites the tourists to photograph the building in ruins, abandoned warehouses and factories; a scenario that no urban regeneration policy was able to reverse. Since 1991 the D. Maria Pia Bridge is not at use. With the two new bridges over the Douro River – the Infante Bridge and the S. João Bridge - it lost its scale and dignity; it is hidden and forgotten. By relocating it to the center of the city on a higher position, the bridge would regain visibility but mostly another meaning, since it is released of the need of being useful. The proposal rescues the beautiful expression “work-of-art” used in some languages by the engineers to refer to the construction of bridges. The originality of the solution would contribute, in a first moment, for increasing tourism and consequently the development of other services. Aside from that, it is more significant the boost of the city’s identity, nourishing the self-esteem of its inhabitants, the fundamental actors on the revitalization of the city. Astonishingly, the project would be easily executed, both in the constructive and in economical terms. The lattice girder structure of the bridge is light and easily disassembled. It would require around five months for the entire process of construction and a budget of less than 10 million of euros, eight times less than the costs of Koolhaas’ Casa da Música, located in the vicinity. As the Eiffel Tower, the relocated D. Maria Pia Bridge would have a significative impact, contributing for promoting the image of the city worldwide.
The relocated D. Maria Pia Bridge would bring a new monumentality to the city.
New, considering it is far from the classical sense of the expression, as of institutionalization of History. It is a transgressive monumentality that aims for its permanent actualization meaning, reflecting the present conscious of its fragility. The Bridge would be a monument of the deindustrialization, where the materiality of the 19th century gives place to the contemporary immateriality, where there is no space for a bridge that connects just two places. The bridge died, but it died standing, like a tree".

Ana Laureano Alves